A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

domingo, maio 27, 2007




























Luanda

A cidade de S. Paulo da Assunção de Luanda foi fundada em 1575 pelo Governador e Capitão‑Mor das Conquistas do Reino de Angola, Paulo Dias de Novais, na ilha fronteira. Decorrido um ano o burgo foi transferido para o continente, onde foi crescendo ao redor do Morro de S. Miguel, tendo sido elevado à categoria de cidade pelo Governador‑Geral Manuel Cerveira Pereira. (1606). Situada entre os rios Bengo e Kuanza a cidade é a mais antiga edificada por europeus na costa ocidental de África Luanda era o nome da ilha que a abrigava. Loanda passou a chamar-se a cidade, a primeira edificada por europeus no sul do Sahara.

As primeiras perturbações causadas pelos holandeses à florescente cidade deram‑se em 1624. Até 1648 o sossego não se restabeleceu. Neste ano Salvador Correia de Sá e Benevides, que havia reconquistado várias terras do Brasil, aos holandeses, foi encarregado de libertar Angola do jugo holandês. A 15 de Agosto, com 900 homens de armas, tomou de assalto o forte de S. Miguel. Desde este dia (Assunção de Nossa Senhora) a cidade tomou o nome de S. Paulo da Assunção de Luanda.

A cidade, muito danificada pelos holandeses, reedificou‑se rapidamente, sendo actualmente [1961] uma das primeiras de Portugal.

Em alvarás de 1662 foram concedidos aos moradores da cidade os mesmos privilégios dos cidadãos da cidade do Porto, em consideração aos serviços prestados à Restauração de Angola.

Desde então o seu brasão de armas, no qual figuram a Virgem e S. Paulo, ficou "para sempre registado nos arquivos da Torre do Tombo", entre os das outras cidades e vilas portuguesas.

A cidade desenvolveu‑se rapidamente após a sua fundação. No século XVII possuía quatro fortalezas, além das de Santo António, S. Miguel, Penedo e Santa Cruz, seis igrejas, conventos dos Jesuítas e dos Terceiros Franciscanos, Hospital da Misericórdia e muitas habitações. Foi neste século que se erigiu a Ermida de N.Sra. da Nazaré, em memória da Batalha de Ambuíla (1665). No século XVIII construiram‑se muitos edifícios de vulto, como sejam o Forte de S. Pedro da Barra, o Quartel de Infantaria (demolido) o Palácio do Governo (1761) e a Alfândega (1770/79). O actual quartel da PSP ([1]) foi fundado em 1754, sendo nesse tempo o Quartel de Cavalaria.

No século passado os principais edifícios foram o Mercado da Quitanda (1818), o Cemitério do Alto das Cruzes (1806) e o Hospital de D. Maria Pia. Neste século [XX] construíram‑se outros edifícios grandiosos, como o Banco de Angola, o Liceu Salvador Correia, [o Liceu] D. Guiomar de Lencastre (em construção), a Escola Industrial, a Igreja de S. Paulo (em construção), o edifício da Fazenda e Contabilidade, o porto de mar, o Aeroporto Craveiro Lopes, os cinemas "Restauração" - um dos melhores do Império Português - e "Miramar", ampliação do Hospital D. Maria Pia, o Seminário, o Colégio [feminino] de S. José de Cluny e muitos outros prédios de envergadura, além de modernos "arranha‑céus".

Vista do mar, a cidade parece como que disposta em anfiteatro, em escadaria. No primeiro plano a Avenida Paulo Dias de Novais, ladeada de palmeiras e com prédios de cinco e mais andares. E, em planos sucessivos, vê‑se uma amálgama de prédios modernos a par de prédios de dezenas de anos.

Distinguem‑se duas partes na cidade: a Baixa e a Alta. Na Baixa, de traçado antigo, na maioria das vezes, encontramos a zona comercial, com modernos prédios e prédios antigos, de séculos. Esta é o coração da cidade, com as suas casas comerciais, armazéns, pastelarias, cinemas e os seus prédios de apartamentos.

Na Alta, de traçado moderno, encontram‑se largas avenidas arborizadas, como as dos Combatentes, Paiva Couceiro e Brasil, ladeadas umas por monstros de cimento armado, os arranha‑céus, outras por graciosas moradias térreas, na sua maioria ajardinadas.

Como isto contrasta com a Luanda de há 20 anos [a Luanda dos anos 40], uma Luanda triste, de ruas escuras e mal calcetadas, casas de adobe, baixas e frias!!! Muito se fez nestes vinte anos, mas há ainda muito a fazer. Tem bairros operários, de funcionários, para indígenas, populares, e bairros elegantes, [como o de Miramar].

Aos domingos os habitantes deslocam‑se para as praias de Luanda, como sejam as da Ilha do Cabo, Samba, Corimba e tantas outras. À noite frequentam‑se as elegantes "boites" e exibem‑se filmes nos cinco principais cinemas da cidade.

Enfim, Luanda é uma cidade moderna, que se desenvolveu prodigiosamente e que muito mais se desenvolverá num futuro próximo. Pode orgulhar‑se, com justiça, de 1ª cidade do Ultramar Português e 3ª de Portugal. (1961.04.) ([2])

No último dia de aulas os estudantes [do Liceu Nacional de Salvador Correia] insubordinaram‑se contra os polícias e muitos deles foram ver o céu aos quadradinhos. (MLF - 1959.07.27) ([3])([4])

Há uma semana que me encontro nesta "mui nobre e sempre leal cidade de S. Paulo da Assunção de Luanda", ([5]) cidade que se transformou rapidamente, com os seus - dizem, 500 mil habitantes [1971]. Dentro de quatro anos serão comemorados os quinhentos anos da sua fundação, ao tempo pequeno burgo. Foi em 1475 que Paulo Dias de Novais desembarcou na Ilha de Luanda [ou do Cabo], fundando aí uma pequena povoação que algum tempo depois se transferiu para o continente. Nessa ilha, domínio do Rei do Congo, se recolhiam umas conchas pequenas [o zimbro] que eram a moeda do tempo. A cidade foi um entreposto comercial e de escravatura [e também terra de degredo], com os seus grandes sobrados, que o progresso e a indiferença do homem foram demolindo. Quando o meu pai veio para Luanda em 1944 a cidade já tinha abandonado a sombra protectora da fortaleza de S. Miguel, chegando até ao bairro do Maculusso [empurrando as sanzalas cada vez mais para o interior]. Aqui era a parte nova da cidade, de casas térreas ou de dois pisos e grandes jardins. A população branca era diminuta, todos se conheciam e as portas estavam sempre abertas para quem quisesse entrar. A cidade foi crescendo, ao desbarato, e desde 1961, ano do início da guerra, o surto de desenvolvimento tem sido verdadeiramente explosivo. Agora é uma cidade um tanto ou quanto desolada, parece mesmo uma cidade do "far-west" americano. Do dia para a noite derrubam‑se as casas, vivendas, e no seu lugar erguem‑se prédios de muitos andares. Os lugares dos meus tempos de menino e moço estão praticamente irreconhecíveis. Mas gosto destas terras, estendendo‑se até ao horizonte, terras jovens viradas para o futuro, sem o peso do passado. (MCG - 1971.08.14)

Mais um domingo sem história. Passámo-lo no Mossulo, uma ilha ao sul de Luanda. O meu pai já lá estava desde ontem, com os operários, pois está construindo uma casa de fim de semana que, quando terminada, deve ficar interessante. (...) No regresso, já noite fechada, faltou a gasolina ao barco e andámos à deriva. Como já estávamos perto do cais viram os sinais luminosos e rebocaram‑nos num barco a remos. Se tivesse sido mais ao largo da baía podia ser uma chatice, pois embora houvesse rádio‑transmissor a bordo a corrente poderia arrastar‑nos para o mar alto e até que nos encontrassem passaríamos um mau bocado. É simplesmente inconcebível o desleixo da maioria dos possuidores de barcos de recreio que se fazem ao mar marimbando‑se para as normas regulamentares. Não sei como é agora [1971], mas quando tirei a minha carta de marinheiro amador - que me autorizava a governar embarcações até três toneladas - aquela era concedida após audição duma amena palestra feita pelo Capitão do Porto de Luanda durante três horas, sem mais formalidades ou provas!!! (NID - 1971.08.22)

Há os amigos próprios de cada um, dos tempos da infância ou da vida de cada, que poderão não ter sido comuns, e os que depois foram surgindo, com o mesmo significado ou com significados diferentes para cada um. Em Luanda, por exemplo, dos amigos, uns iam e vinham, mas outros mantinham‑se. Uns e outros se juntavam periodicamente, para irem à praia, ao cinema, aos restaurantes dos arredores, no Cacuaco ou na Estrada de Catete, nas Ilhas do Cabo ou do Mossulo. (MCG - 1988.07.18/20)

(...) O imbondeiro é o símbolo de Angola, pretendem alguns. Também o pôr do sol nos trópicos é algo de maravilhoso. E então para quem morava à beira-mar! (MCG - 1974.01.31)

[1] - Polícia de Segurança Pública
[2] - Dum exercício de Português (5º ano Liceal), no Colégio Cristo Rei, dos Irmãos Maristas, em Luanda.
[3] - Quando terminava o ano lectivo os estudantes ocupavam a rua defronte ao Liceu Salvador Correia, obstruindo o trânsito e “baloiçando” os automóveis com os ocupantes lá dentro. Numa das vezes descarregaram, espalhando pela via pública, as laranjas transportadas numa camioneta. Num dos anos o filho do Governador Geral Sá Viana Rebelo também foi preso, enquanto reclamava a sua filiação, com o polícia a retorquir “Pois, pois, e eu sou o Presidente da República". A verdade é que dessa vez e passado pouco tempo tinha sido toda a malta libertada!
[4] - O Liceu situava-se na Rua Brito Godins, no cimo duma alameda ajardinada, rodeado dum amplo recinto O edifício é constituído por dois claustros, azulejados e ajardinados. possuindo dois corpos laterais, um deles com a torre sineira e outro com o salão de festas, ginásio e balneários. Havia Liceu apenas em Luanda, Sá da Bandeira e Nova Lisboa, que me lembre, e em Luanda havia praxes semelhantes às de Coimbra. Embora não fosse generalizado o uso de fato preto e capa, aos caloiros fazia‑se a coroa, podendo ser protegidos pelos veteranos (repetentes do 6º e 7º anos), estando os alunos do 1º ano sujeitos a que os dos anos subsequentes lhe batessem na careca. E no fim do ano havia barracadas e estudantadas como a que se referiu neste parágrafo.
[5] - Mas não invicta, como o Porto, pois foi ocupada pelos holandeses de 1640 a 1648. Sei hoje que isto não foi bem assim, pois os portugueses refugiaram-se mais para o interior, na Fortaleza de Massangano, na margem direita do Rio Kuanza, a 150 km de Luanda, que os holandeses nunca conseguiram conquistar, pois a diminuta guarnição flamenga aquartelada na actual Fortaleza de S. Miguel era insuficiente para defender-se dum ataque dos Luandenses e ao mesmo tempo conquistar o forte de Massangano.

NOTA - Esta é a Luanda vista pelos olhos dum adolescente nos anos 60 do século passado ou dum jovem na década seguinte. Hoje falaria de Luanda doutro modo, duma Luanda durante séculos terra de degredo ou entreposto de escravos, especialmente para o Brasil. Daí que a tomada da cidade pelos holandeses constituísse um sério revés para os senhores dos engenhos e roças no Brasil, que financiaram uma esquadra para retomar Luanda, capitaneada por um rico fazendeiro chamado Salvador Correia. Duma terra de mestiçagem, uns ascendendo a crioulos, outros equiparados aos negros escravos. Eram mais as afinidades com o Brasil do que com Portugal. Crioulos que desprezavam os negros e os outros mestiços, procurando mesmo criar uma cultura própria  e movimentos independentistas logo sufocados.

O advento do fascismo em Portugal acabou com a diferenciação e com o estudo e compreensão da realidade local e das relações sociais em sociedades diferentes mas que o Tratado de Berlim nuns sítios separou (exemplo do Reino do Congo) e noutros »uniu». O advento do fascismo, debaixo da mentira da sociedade multirracial, encobria a realidade duma pretensa superioridade do homem branco e da sua civilização face aos «matumbos» (ignorantes) que eram os negros. Disto também se fala noutro post deste blog.

Não sendo o racismo tão acentuado como em Moçambique, influenciada pelas colónias inglesas limítrofes, a verdade é que havia grandes clivagens sociais resultantes do estatuto social do ser branco e da pobreza da maioria dos negros, sujeitos à arbitrariedade daquele.

E hoje, a Luanda que existe já nada tem a ver com a Luanda da minha meninice e juventude, o tempo não volta para trás e hoje, hoje esta terra onde acabei por ficar nada me diz, é uma terra pequenina, de gente pequena, de horizontes limitados, que me moldou contra-vontade. Hoje, se defronte de mim estivesse o Victor dos 20 anos, não me reconheceria. Estou na terra de ninguém, um «pária» cuja única «salvação» é ser cidadão do Mundo, cidadão duma só terra, terra não dos senhores e senhoritos, mas terra de todos, terra  da igualdade na diversidade, terra de homens e mulheres livres e solidários, terra de paz e felicidade no breve tempo em que cada um de nós por ela passa.

De Luanda fala também o meu poema Raízes, já publicado neste blog e noutros.

E pronto, espero ter respondido aos desafios da Maria e da Karina.

Victor Nogueira

Fotos retiradas da Internet
De cima bara baixo

* Brasão heráldico
* Ilha do Cabo
* Mulemba
* Pescadores na Baía, no seu dongo (canoa)
* Acácias rubras
* Imbondeiro
* Pôr do Sol
* Praia (km dela)
* Fortaleza de S. Miguel
* Trânsito na antiga Rua Luís de Camões
* Luanda - vista aérea
* Avenida marginal Paulo Dias de Novais, à noite


3 comentários:

Kalinka disse...

Olá Vitor

Li-te com toda a atenção e, em breve farei um post sobre a minha cidade-berço, mas tenho a certeza que não tenho tantos dados como tu, para escreveres um longo e interessante post sobre Luanda.

Escreveste:
...«Não sendo o racismo tão acentuado como em Moçambique, influenciada pelas colónias inglesas limítrofes, a verdade é que havia grandes clivagens sociais resultantes do estatuto social do ser branco e da pobreza da maioria dos negros, sujeitos à arbitrariedade daquele...»

Só te tenho a dizer que, se em Moçambique havia racismo, pouco ou nada se notava; não tem qualquer comparação com o racismo dos dias de agora, na Europa e resto do Mundo.
Beijitos.

Luis.M.Soares disse...

Racismo havia nas Colonias Portuguesas embora camuflados. Senão vejamos porque razão para uma determinada atividade profissional a remuneração era bastante diferenciada para a etnia branca em relação à negra? O negro foi sempre tratado como mão de obra barata no interesse dos de todos nós. O governo de Portugal e os chamados brancos de primeira, naturais de Portugal, sempre descriminaram não só os negros como os brancos nascidos nas colônias, chamados brancos de segunda. Esses brancos de primeira, a maioria era composta de indivíduos analfabetos como aliás grande parte da população de Portugal na década de 60. Presentemente Portugal é visto por alguns países europeus como país africano implantado na Europa. A maioria da população portuguesa é arrogante no tratamento com os seus conterrâneos de passagem pelo território como turistas onde estes deixam divisas. Quem escreve é um português de segunda.
Luís M. Soares

Victor Nogueira disse...

Até onde sei a segregação racial, que tb existia em Angola, era mais evidente em Moçambique, por influência da Rodésia e da África do Sul.